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quinta-feira, 17 de julho de 2008

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Intransigência...

O telhado não forrado corrobora em sua madeira as marcas das gerações. A casa é abafada, provavelmente pelas chuvas não proteladas que só servem para acumular o calor dos asfaltos e as bacias dispostas em locais estratégicos do assoalho. São tempos difíceis; a família nunca almoça junta e cada membro se vê cada vez mais enclausurado em seus próprios afazeres. Ele lastima seus sonhos serem carcomidos como a pintura das paredes. Tem planos, idéias encadeadas e uma visão de médias ambições (sempre achou que dinheiro em demasia implicaria em mais problemas que soluções), mas a falta de ânimo se encarrega por minguar qualquer progresso. Nada naquele lugar lhe inspirava autoconfiança e sua própria falta de força-de-vontade o tornara mais suscetível a desistir de si mesmo. Já não faz mais questão de mascarar sua insatisfação sob sorrisos amarelados, entretanto, o hábito controla toda situação que envolve uma eventual preocupação por parte de seus familiares. Ninguém insiste em saber a verdade, basta o comodismo de ter a consciência limpa.
Vê-se definhar paulatinamente e não sente vontade de expor a ninguém o que corrói suas entranhas. Medíocre(!). Acha-se ordinário por consternar-se com problemas tão miúdos em relação a tantos que ouvira falar.
Perambula pela casa por instinto, fixa seu olhar em um ponto qualquer, mas não o enxerga. Guia-se pelo som pluvial. Sente-se leve, frívolo. Ruma ao terreiro, dissolve-se na torrente. Abre a boca como se quisesse abranger toda a chuva, preencher-se de algo, mas a densidade da água que empapa suas roupas jamais competirá com o vazio de seu interior.

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