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segunda-feira, 29 de setembro de 2008

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Prelúdio...

Antes de conhecer mais de tuas peculiaridades, acho que me encantei mesmo foi com teu olhar. É que você tinha os olhos de menina confusamente decidida, de quem pondera os malefícios, mas segue o coração. O ar tinha qualquer coisa de campestre e agosto passava tão depressa com suas noites nubladas e tardes azuis-turquesa, como o vento que me roubava o teu perfume. O relógio marcava uma hora a mais do que eu gostaria, e logo chegaria setembro. Eu não sabia muito o que te dizer, exceto as minhas bobagens corriqueiras, que sempre te faziam rir e me chamar de bobo, mas sabia que estava exatamente onde tinha que estar. Os nossos pés alinhados próximo à árvore que ficava defronte ao desgastado banco de cimento; quantos romances e discussões ele já teria presenciado? O que será que me diria ao ver meu olhar de estrategista, sempre a conter e medir com cautela todos os gestos?
Você parecia medir tudo também. Nunca consegui decifrar o pensamento por detrás da fugacidade daquele levantar de cabeça rumo à copa da amendoeira, como se observasse qualquer coisa que não estava ali. Fiz um comentário qualquer sobre cupins: bobo, para variar, mas você sempre me dava tanta corda e qualquer coisa que falávamos poderia gerar horas de assuntos até chegar a traumas de infância ou filmes preferidos. Era como uma cumplicidade intrínseca e intangível que nos permitia ir de Amelie Poulain a Zeca Baleiro, perpassando confissões e entrelaçando nossas vidas pelas diferenças e semelhanças.
Eu não sabia o que aconteceria conosco, mas tinha aquela inexplicável sensação de que havia encontrado aquele cristal fino e valioso, e estava disposto a não soltar, nem tampouco apertá-lo, temendo que ele viesse a quebrar com o gesto mais sutil. Só que eu nunca fui muito sutil e sempre testei a durabilidade das jóias que encontrava, porque meu coração tem espaço demais e se eu resolver guardá-la dentro, tenho que me certificar de que ela não vai trincar ou se estilhaçar ao chocar-se contra as paredes dele, com o sacolejar de meu corpo.
Uma música começou a devorar as dúvidas que nos cercavam e eu me vi com a minha mão no teu rosto, a preceder o beijo longo e lento que haveria de se seguir. Foi como uma folha que eu tinha observado cair, com trajetória linear ao chão, que antes de pousar, foi suspensa pelo vento, retardando a sua queda. Aquele beijo me fez ficar suspenso no tempo, incapaz de respirar ou pousar. E talvez até hoje eu não tenha tocado o chão por completo.

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