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quinta-feira, 20 de novembro de 2008

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Reminiscência...

Adentrei calmamente no pátio, com aquele olhar veterano e o sorriso saudoso, reconstituindo mentalmente cada reforma e transformação que aquele local sofrera. Os azulejos, outrora escuros e retangulares, agora resplandeciam um branco quase impecável, exceto por uma ou outra marca dos muitos solados que ali corriam todos os dias. Nunca imaginaria aquele local climatizado e tão parecido com uma sala de espera.
Especulei tudo com cautela e uma leve excitação; quantas delas ainda estariam lá? Quantas ainda me reconheceriam após tanto tempo? Entrei discretamente na diretoria, dessa vez sem preocupar-me com qual punição eu receberia pelo mal comportamento. Quase não percebi que aquela já fora uma das minhas salas do jardim... Que eu já havia modelado massa naquele chão e colado desenhos naquelas paredes.
Nunca saiu da minha memória o rosto de nenhuma daquelas que me aturaram pelos anos mais inquietos que eu já tive, e aos poucos pude entristecer pela saída de muitas, alegrar-me com a ascensão de algumas e empalidecer ao tomar nota da permanência de poucas. Será que lembrariam de mim? Afinal, agora eu era um homem com a barba por fazer e uma chave de carro no bolso, diferente da criança de cabelo partido de lado, que costumava correr pela sala e detestava pintar os desenhos dos deveres de casa.
Segui adiante, rumo ao outro pátio (eles abriram outro pátio bem maior!), onde agora localizava-se a cantina e os banheiros. Procurei pela alfabetização, ou melhor, primeiro ano, e até pedi para os garotos me guiarem por aquele corredor até então desconhecido.
Quase não pude me conter de ansiedade ao abrir aquela porta e quase pensei ter cometido um engano ao deparar-me com uma garota um pouco mais velha que eu, próxima à porta, mas ao fundo da sala, acima de todas aquelas miniaturas humanas, ouvi uma inconfundível voz: "Olha só quem está aqui!"
Os anos haviam lhe dado expressões mais fortes na face e umas medidas a mais no quadril. Levava no sorriso uma miscelânia de cansaço e satisfação, fruto do tempo implacável a todos nós. Tinha os olhos afáveis e compreensivos, como só as pessoas que lecionam muito tempo às crianças, conseguem obter.
"Como você tá grande!" - ela enfatizou. É, mesmo eu tendo o dobro da altura que eu tinha na época que estudei com ela, entendi esse 'grande' como 'crescido', visto a minha estatura. Seguimos conversando sobre as lembranças do passado que se foi e o presente onde estávamos... A caligrafia dela continuava impecável e agora ela tinha uma ajudante na sala (a garota da porta).
Ao ler as anotações do quadro, lembrei de como tudo era simples e isento de preocupações, diferente do cotidiano corrido que levo aos 19 anos. Nos abraçamos e, antes de nos despedirmos, ela agradeceu pela minha visita; por eu ter lembrado dela... Mal sabe o quanto eu sou grato, por ela ter lembrado de mim, dentre tantos alunos, por me fazer saber que eu tive um diferencial para ser recordado e por me proporcionar memórias e momentos que eu julguei impossíveis de serem resgatados com tanta clareza.

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