Pages

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

3

Cotidiano...

Poucas coisas caracterizam tanto um aluno de universidade pública, quanto uma refeição no restaurante universitário. Inclusive, eu chego a achar absurdo o fato de alguém passar quatro anos naquela instituição sem ter ao menos uma experiência com a bandeja de alumínio. Ainda lembro da minha primeira vez, quando eu, recém saído das asas do ensino médio, adentrei naquela fila gigantesca, com aquele peito estufado e olhar atônito que só os calouros possuem.
Tudo começa a partir da fila. Cheguei olhando para todos sem encontrar nenhum conhecido e aguardei pacientemente até a hora de adentrar no recinto. Quinze minutos depois, reparo que andei dois passos, e vejo aquele carinha que chegou depois, saindo com um palitinho na boca, então dou-me conta de que as ramificações da fila são mais numerosas que os processos arquivados do senado. Tudo bem, é o primeiro dia e eu tento pensar positivo: "Ao menos vai servir para aumentar a minha fome...".
Depois de 42 minutos, chego à entrada e me deparo com o cardápio: 'Hoje - Cozidão'. Atrás alguém comenta: "Caramba, hoje é carne de monstro!", e eu continuo sem entender todo o alarde do povo por causa de uma carne bovina com osso e tutano, mas sigo em frente. Finalmente entrei, meio inseguro, apenas tentando seguir os outros até as bandejas. É um momento ímpar: elas se encontram todas sobrepostas, molhadas e emborcadas, e você vai puxando até achar uma que não venha com um cheiro verde ou um pedaço de tomate grudado na superfície. Passado a fase da seleção, encaminho-me para a fila da comida, onde há a maior concentração de serventes irritados por metro quadrado. Eles te servem com tanto mau gosto que o caldo sempre passa perto de espirrar na sua camisa.
Com a bandeja cheia na mão, os livros debaixo do braço e o fichário a tiracolo, é chegada a hora de procurar um lugar para sentar. Todos os espaços estão ocupados e o jeito é atentar àqueles que estão perto de terminar. Aí você fica naquela de disputar o lugar com outra pessoa, uma de cada lado da cadeira rotatória, torcendo para o atual ocupante sair pelo lado oposto ao seu, para dar tempo de você jogar a bandeja na mesa e garantir sua sobrevivência. O problema é que as pessoas sempre saiam do meu lado e, depois de perder umas 3 disputas, alguém se referiu a mim como 'o carinha que chegou faz tempo', e acabou me cedendo um lugar.
Pronto. Uma vez sentado, nada mais poderia me abalar, vou começar a minha refeição! Tiro os talheres do saquinho e tento cortar um pedaço da carne. Só então entendi a expressão do cara da fila, porque depois de 2 minutos lutando com a faca cega, ainda não sabia se estava cortando um rejeito, um osso, ou um quiabo, só sabia que carne não era... O mais legal era quando se levantava o pedaço e todos os outros vinham junto àquela liga viscosa e cheia de sementes. No mais, o arroz, o feijão e a farofa estavam bons. A minha farofa veio até premiada com um torresmo! (Sério, o torresmo era tão raro que, um ano mais tarde, minha primeira declaração de amor foi dá-lo à minha namorada enquanto almoçávamos).
Depois de terminar, ainda pude olhar para os lados e escolher a mais simpática das 32 pessoas que se amontoavam em busca da minha vaga (vai ver era por isso que eu sempre perdia as disputas). Saí do restaurante e pude passar o restante da tarde ruminando, empanzinado com a farofa e o arroz parboilizado, pensando que só mais quatro anos e eu me formaria.

3 comentário(s):