Quem te vê assim de longe, com esse corpo miúdo, abraçando todo mundo com o sorriso, logo trata de dar um rosto ao que imagina ser a gentileza. E não se engana; a tua cortesia é tão explícita que já se tornou um clichê te chamar de bacana. Eu, que já reparo em ti desde o último inverno, tive a oportunidade, quase sem querer, de te despir de toda a paciência e enxergar o teu lado mais vulnerável.
Sempre imaginei o porquê de ser tão mais fácil agir gentilmente com pessoas-paisagem, em comparação àquelas que mais nos conhecem. Talvez seja pela conveniência do altruísmo imediato. Sem manutenções, sem explicações, sem barganha sentimental; apenas ação e reação, obra e gratidão, ato e boa impressão. Não é exatamente uma espécie de hipocrisia, está mais para um relacionamento alternativo em contradição à eterna lei de que mais machucamos e somos machucados por aqueles que mais amamos e, provavelmente, pelos que mais se importam conosco.
Naquele dia, bastaram algumas palavras: uma questão ou outra, corriqueiramente formuladas, para flanquear os teus sentimentos e me fazer sentir, num jorro, o pus da mágoa a espirrar em minha face atônita. Você ainda tentou tapar a ferida com as mãos do embaraço, mas as palavras desciam quentes pelo meu rosto, e eu pude perceber que ali havia peso até para atribuir à tua mania de arrastar os pés ao acordar.
Não precisa me fitar com esse olhar tão preocupado, menina. Não sei se por eu ter te visto tão inerme, ou por perceber que eu não fui o maior merecedor daquelas palavras densas, mas o que realmente importa é que eu também tenho meus flagelos e, supostamente, entendo uma parte de tua aflição.
Eu sei que você provavelmente não vai ver a lógica do que vou te dizer, mas a melhor atitude a se tomar é perdoar. Não, nem de longe estou dizendo que vai ser fácil: o perdão é o merthiolate da alma. Daqueles antigos, que ardem uma brutalidade, mas que as pessoas passam porque faz a ferida sarar mais rápido. Ninguém perdoa apenas quando sente a vontade, perdoa-se porque é o melhor que podemos fazer conosco.
Claro que os machucados não vão ser curados da noite para o dia e, se alguém bater a mão em cima, ele provavelmente ficará mais danificado que antes, mas ainda sim, não é motivo para deixar de usar o remédio. Quanto maior a área atingida, mais vai arder, contudo, se você é tão forte para suprimir a dor dessa infecção, sei que também conseguirá suportar a dor do tratamento.
Sei que a nossa experiência de vida pode nos deixar mais relutantes a subirmos em locais altos, ou talvez nossos tombos nos impeçam de correr por aí de forma tão despreocupada, mas se continuares o tratamento, certamente algum dia a ferida que outrora vi erigir, vai cicatrizar, e a superfície do teu coração voltará a ser tão lisa quanto teus longos cabelos negros.
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