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sexta-feira, 8 de abril de 2011

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Suíte...

A barba por fazer indica um desleixo que, estranhamente, combinava com o esmero empenhado em cada nota trocada com seu violão. Trabalha, improvisa, mescla escalas e abre trilhas ainda não percorridas pelas estradas dos pentagramas, se regozijando após cada colcheia transcrita, a compor o quebra-cabeça que existe completo apenas em sua mente.
Para Leonardo, o violão é uma mulher de gênio forte. Ele começou a admirar de longe, supondo o quão difícil deveria ser conquistá-la; ponderou os contras, mas sentiu o coração inquieto ao vê-la conversar. Desenterrou a coragem e tentou puxar um assunto qualquer, sem sucesso. Riu desconsertado e tentou novamente, dessa vez, uma conversa mais genérica e premeditada. Ela o surpreendeu com respostas que machucam o ego, que o fizeram ver que ele não estava no controle. Ela não se importa com quem ele é, ou com o que possui, apenas exige um caráter perseverante que a valorize devidamente.
Apesar da falta de apoio de alguns amigos, Leonardo insistiu e foi conquistando-a progressivamente. Sentia orgulho ao andar de mãos dadas em locais públicos e, aos poucos, percebeu a sintonia entre os dois a acompanhar o ritmo acelerado de seu coração. Entrava em êxtase sempre que tinha uma novidade que proporcionava tão boa interação entre os dois. E hoje, depois de mais de 20 anos de convívio, mesmo conhecendo tão bem um ao outro, ela nunca perde a capacidade de surpreendê-lo.
Engolfada pela presença dos arpejos, a noite passara apressada, e agora os primeiros raios de sol começam a se desembrulhar das nuvens, irradiando luz sobre a partitura não terminada e aquecendo a pele descorada de Leonardo, quase tanto quanto a música aquenta o seu interior.

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