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sábado, 18 de abril de 2009

7

Crônica...

Um dia de merda

Era um dia quente como outro qualquer... As crianças se chocavam umas com as outras no pátio do colégio, os jovens conversavam na porta de suas salas e os professores tomavam café na coordenação.
Entretanto, na sala da sétima série, algo não corria bem. Mário* suava frio enquanto seu intestino o alertava de que não fora uma boa idéia extravasar no café da manhã. Contorceu, inquietou, aguentou enquanto pode, até que finalmente decidiu entregar os pontos e o destino ao vaso sanitário e ver que obra-prima sairia.
A grande maioria das pessoas dotadas de um pouco de inteligência e bom senso esperariam começar uma aula, pediriam para sair da sala, andariam desconfiadas pelo corredor e escorregariam o moreno despretensiosamente, torcendo para ninguém entrar no banheiro durante o período de relaxamento; mas não Mário, que, incrível e inexplicavelmente, escolheu justo o período do intervalo (ou recreio, como queiram), para passar um fax direto à fossa colegial.
Não sei quanto à escola de vocês, mas na minha, os sanitários sempre lotavam nesse horário. Agora imaginem comigo: aquele vai e vem interminável de alunos dentro de um local repleto de vasos, sentindo que algo ali definitivamente não cheirava bem. Começaram com as piadas mais triviais de “Tem alguém morto aqui...”, enquanto o nosso herói resistia bravamente em seu honroso vaso.
Esqueci de mencionar: na instituição, por demasiado vandalismo, não se deixavam rolos de papel higiênico nos banheiros, por aqueles sempre aparecerem entupindo as privadas ou caindo do teto, portanto, quando alguém quisesse dar aquela defecada antológica, bastava comunicar ao zelador, pedir o papel e garantir a sua vida pós disfunção intestinal.
Mas o idiota, com a permissão da ofensa, achou que fosse enganar o nariz de todo mundo, e não pediu papel algum para que todos pensassem que ele estava apenas “urinando”. Então, após o banheiro estar empestado com o odor mais fétido que já senti na vida, Zé Carlos, zelador camarada, chegou silenciosamente e ofereceu um rolo salva-vidas por baixo da porta do box, para que o infeliz pudesse sair com a honra manchada, mas com a bunda limpa... E foi aí que algo mais inacreditável aconteceu! Tomado por não sei quais pensamentos, o indivíduo teve a coragem de rejeitar a oferta irrecusável do zelador!
Ainda lembro bem do homem da limpeza insistindo para que o cara pegasse o papel e Mário, que até então tinha sua identidade posta entre dúvidas e cogitações, entregou-se com a própria voz: “Nãã... Tô só mijando, pô!”
Caro leitor, o banheiro estava poooodre! E o cidadão tem a audácia de dizer que estava só ‘mijando’! Eu, sem poder agüentar aquele fedor um minuto a mais, deixei o local e, como um bom filho da mãe, tratei de espalhar a história para o máximo de pessoas que pude. O fato é que, ao sair, encontrei três das figuras mais sacanas do colégio, compartilhei com eles todos os detalhes, enquanto debatia-me em risos, e decidimos acompanhar a saga de nosso desafortunado amigo.
De forma inesperada, eis que ele saiu e, desgraçadamente, deu de cara conosco! Chegou com uma das maiores caras de desconfiado que já presenciei e falou com um artístico tom de piada: “Rapaz, os caras cagaram no banheiro...”. Um dos que estavam comigo, sem perder tempo, soltou: “Caramba! Sai daqui, doido! Tu que tá todo cagado!”, enquanto os outros três se lavavam de rir.
Mário, sentindo-se acuado, deu dois passos para trás, rumando ao corredor onde se localizava sua sala e, ao virar de costas, revelou uma catota de merda pendurada em sua camisa!
Após o observado, os camaradas e eu, naturalmente, fomos dar uma checada no estado do box afetado. Até aquele dia, eu sempre imaginei que essa coisa de ‘cagar pelas paredes’ fosse força de expressão, mas ao chegar ao local do ocorrido, me assustei.
O imbecil, sem papel higiênico, meteu a mão vocês sabem onde, tirou o supra-sumo e passou em todas as paredes do box! O vaso sanitário até que estava limpo, mas as paredes pareciam repletas de pinceladas de Van Gogh! Digamos que, a obra não estava muito sólida.
Após tal visualização artística, nós, atraídos pela oportunidade de continuar a rir até a morte, fomos atrás do coitado que, a essa altura, já estava um pouco mais limpo. O encontramos na cabine telefônica da escola, um lugarejo de 2 x 2 que mal cabia uma pessoa. - Vai ligar pro pai dele e vai melar todo o banco do carro! - comentavam os mais cruéis.
Definitivamente, não era o dia de Mário. Assim que o nosso protagonista começou a fazer a ligação, um senhor com aspecto inocente posicionou-se do lado de fora, preparado para ligar após a saída do atual ocupante.
Nós, logicamente, já nos matávamos de rir imaginando o sofrimento do pobre homem ao entrar na cabine que estaria exalando merda pelas frestas. Aguardamos, Mário saiu, o senhor entrou. Ficamos naquela apreensão de esperar que o cara saísse correndo a qualquer momento e, vinte segundo depois, o senhor abriu a porta da cabine!
Nós, de longe, acompanhando aquela cena com comentários de “É agora, ele vai correr!” , durante longas gargalhadas. No mesmo instante, o senhor pega a porta e começa um movimento de vai e vem, no intuito de ventilar o ambiente, enquanto esticava o gancho do fone ao máximo possível, para se pôr pra fora da cabine. Depois que o homem, vencido pelo fedor, retirou-se da cabine, fomos novamente ao encalço do nosso protagonista.
O encontramos encostado à parede próxima ao corredor que servia de elo entre o pátio e a coordenação, esperando a chegada de seu pai. Todos que passavam torciam o rosto ou faziam comentários, até que uma garota, ao passar, levantou os dois pés para verificar se não tinha pisado em alguma merda animal.
Eu, já sem forças de tanto rir, ainda pude ver quando ele foi embora cabisbaixo e envergonhado. A história teve tanta repercussão, que até tiveram pena de fazer piada com ele nos dias posteriores, em respeito ao máximo de sofrimento e humilhação que ele sofreu em um único dia.
E até hoje alguns ainda relembram o mito de Mário, o desventurado cagão da sétima série...**

Nota: *Nome meramente ilustrativo para preservar a identidade do protagonista.
** Fato verídico.

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